A indústria petroquímica desempenha um papel estratégico na economia brasileira, representando um elo fundamental nas cadeias produtivas de diversos setores. No entanto, o cenário geopolítico global tem afetado diretamente a sua competitividade, em um contexto de concorrência global acirrada, com destaque para a pressão de produtos importados a preços reduzidos. Combinado ao elevado custo interno com suas principais matérias-primas, torna-se imperativo que, no curto prazo, sejam adotadas medidas que protejam e incentivem a retomada da produção nacional dessa indústria.
A indústria petroquímica mundial passou por profundas mudanças estruturais nos últimos 20 anos. Houve reestruturações societárias, integrações de cadeia, novos produtos e inovações tecnológicas na produção, além da exploração de novas matérias-primas, essencialmente a conversão de gás natural e de xisto em petroquímicos básicos.
Essa indústria é, estruturalmente, cíclica, com uma dinâmica de oferta e demanda que acabam se descasando ao longo do tempo. As decisões de investimento, normalmente, são tomadas em momentos em que o mercado está pressionado pela alta demanda por plásticos, fibras e elastômeros com capacidade produtiva mundial esgotada, quando os preços atingem seu valor máximo, com elevados spreads. No entanto, os períodos de consolidação dos investimentos em aumento da capacidade instalada levam a um excesso de oferta, que acaba reduzindo os preços e as margens das empresas.
Até o ano de 2020, o setor passava por um ciclo de alta, com crescimento da demanda e margens boas, mas também com investimentos no aumento da capacidade instalada a nível global. Já era esperado que esse ciclo daria lugar ao de baixa, mas a entrada agressiva da China no mercado, com elevados subsídios governamentais e comprando óleo e gás russos a preços abaixo dos níveis praticados internacionalmente, tem elevado sobremaneira a oferta global, intensificando a redução nas margens do setor e afetando a indústria química brasileira.
Em meio a tantas transformações, a indústria petroquímica brasileira vem enfrentando a falta de competitividade no mercado internacional, agravada pelas consequências do cenário geopolítico desafiador, pelo arrefecimento do crescimento das principais economias globais, pela redução nos preços internacionais dos produtos da cadeia e pelo elevado custo interno com suas principais matérias-primas, que encarece a produção nacional.
Com isso, a produção interna tem perdido cada vez mais espaço para os produtos importados, que têm chegado da China a preços descontados e dos Estados Unidos via Zona Franca (ZF) de Manaus. A produção de petroquímicos nesses países beneficia-se de políticas industriais agressivas, com apoio governamental direto e indireto, incluindo subsídios à energia e matérias-primas, além de uma escala de produção que reduz drasticamente seus custos unitários.
No 1º semestre de 2024, 38% do polietileno importado pelo Brasil entrou via ZF e a participação do produto nacional caiu para 44%. O volume importado de resinas termoplásticas aumentou 48,2% no semestre. Houve aumento de 31% nas importações de resinas termofixas, de 42,4% nas de intermediários para resinas no mesmo período.
Além da constante queda do volume de vendas domésticas, os níveis de exportações também têm se reduzido, uma vez que o produto nacional enfrenta dificuldades para competir com os baixos preços praticados globalmente no atual ciclo de baixa do setor. Até junho, as exportações de produtos químicos de uma forma geral caíram expressivos 27,5% em relação ao mesmo período de 2023.
O eteno e o propeno são os químicos básicos mais relevantes para a cadeia da indústria petroquímica. A matriz da matéria prima para produção de eteno muda de acordo com a região e a competividade da indústria é medida pelo seu custo de produção. No Brasil e países da América do Sul, a maioria das centrais têm como base a nafta (cerca de 66% do total), cujo custo é mais elevado. Em seguida, aparece o etano com índice de 16% no Brasil e 26% na América do Sul. Na América do Norte e no Oriente Médio, ao contrário, a base da indústria é o etano (84% e 71%, respectivamente), que tem custo de produção menor em comparação à base nafta. O preço da nafta tem correlação com preço do petróleo bruto, mas também varia com a demanda de gasolina e eteno. Já o preço do etano segue a variação do preço do gás natural e da própria demanda petroquímica.
De acordo com a Abiquim, no que se refere ao gás natural, enquanto a indústria nacional paga um valor entre US$ 12,4/MMBTU[1], o mesmo gás é vendido por cerca de US$ 1,5/MMBTU nos Estados Unidos, por US$ 8,6/MMBTU na Europa e, na fronteira da Bolívia com o Brasil, por U$ 6,2/MMBTU. Em agosto de 2024, foi instituído o programa Gás para Empregar que pode contribuir para que a indústria química tenha acesso a este insumo em maiores quantidades e a preços menores, reduzindo seu peso no custo de produção, que está em torno de 25% do total.
O resto do mundo tem reconhecido que não há Estado forte sem uma indústria petroquímica robusta, pela sua importância estratégica e seu efeito multiplicador na economia. É um elo fundamental da cadeia produtiva, com impacto sobre os setores plástico, de fertilizantes, combustíveis e demais produtos químicos em geral. Seus produtos têm uso extensivo em praticamente todos os segmentos da economia e substituem com vantagens: madeira, fibras naturais, aço, papel, borracha natural etc. Atua em mercados da construção, automobilístico, embalagens, vestuários, bélicos, agricultura, medicinal, entre outros.
Em função disso, medidas protecionistas vêm sendo adotadas tanto por países em desenvolvimento quanto, e principalmente, por países desenvolvidos, através de políticas públicas voltadas a incentivar e proteger seu parque industrial, garantindo a competitividade da produção local. Subsídios, incentivos e barreiras tarifárias vêm sendo praticados, nos últimos anos, pelos Estados Unidos, China, Alemanha, Coreia e Índia, por exemplo.
Esse cenário reflete uma desvantagem brasileira que precisa ser corrigida por meio de uma política industrial robusta e coordenada. O Brasil não pode ficar para trás neste momento em que se rediscute a industrialização do país de forma sustentável e duradoura, se propondo a enfrentar os obstáculos estruturais à maior competitividade e produtividade da indústria nacional. Ainda que a iniciativa da Nova Indústria Brasil (NIB) produza os benefícios esperados somente no longo prazo, é imperativo aproveitar a conjuntura interna favorável para pensar incentivos com efeitos no curto prazo.
Além de ter um dos maiores mercados consumidores mundiais, o aumento recente da atividade econômica e da demanda interna no país podem colaborar para a retomada da produção nacional da indústria química e a redução da ociosidade das plantas, já que a queda na produção nacional num momento de sobreoferta global e redução de preços tem levado ao crescimento expressivo das importações.
É inegável que a indústria petroquímica é um pilar essencial para o desenvolvimento econômico do Brasil. Dessa forma, para além de retomar o nível de produção nacional, é necessário também consolidar uma indústria petroquímica moderna e eficiente, capaz de competir globalmente. Algumas das medidas que podem ser adotadas com esse fim são a criação de (1) tarifas de importação temporárias sobre produtos petroquímicos importados, (2) incentivos fiscais condicionados à comprovação do impacto social e econômico gerado, com aumento no nível de emprego e melhoria nas condições de trabalho e (3) incentivos ao investimento em pesquisa e inovação, com rebatimento no aumento da produtividade.
No entanto, é fundamental que essas medidas venham associadas a um sistema de monitoramento e controle de efetividade que incluam indicadores de desempenho relacionados à competitividade, geração de emprego e renda, inovação e sustentabilidade. Dessa forma, os incentivos a serem concedidos ao setor privado devem vir associados a exigências de contrapartida e garantias claras de que estes sejam usados para os fins desejados e que o retorno será apropriado pela sociedade brasileira.
Os desafios enfrentados pela indústria petroquímica nacional também podem ter impacto na economia do estado da Bahia. Desde a década de 50 do século passado, o estado tem demonstrado a vocação para empreender e trabalhar com técnicos e conhecimentos acumulados na indústria de petróleo e suas respectivas ramificações através da indústria química e petroquímica. A implantação do Polo Petroquímico de Camaçari, cuja operação se deu em 1978, foi realizada de forma planejada, com um modelo tripartite envolvendo investimentos da indústria estatal nacional (através da então Petroquisa) e do setor privado, tanto internacional quanto nacional. Sua constituição se deu a partir de importantes políticas de incentivo e proteção para desenvolver e manter a dinâmica do setor.
Apesar do potencial de recursos naturais e de infraestrutura, se os entraves que o setor enfrenta não forem mitigados, poderão impactar diretamente no nível de emprego e renda e da atividade econômica regional, especialmente, dos municípios que compõem a Região Metropolitana de Salvador (RMS). A despeito de ser intensivo em capital, o emprego gerado no setor petroquímico exige um nível de qualificação e especialização dos trabalhadores mais elevado que a média do mercado do trabalho e até de outros segmentos da indústria, além de pagar uma remuneração média comparativamente elevada. Sem contar que seu desempenho positivo acaba tendo rebatimento sobre os outros elos da cadeia.
De acordo com dados do Ministério do Trabalho, coletados na base da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), as atividades que compõem o setor petroquímico empregavam cerca de 4 mil trabalhadores na RMS ao final de 2023, com uma remuneração média mensal de R$ 8.591, três vezes acima da média da indústria de transformação (R$ 2.663) no estado. Isso corresponde a uma massa salarial de quase R$ 500 milhões ao ano. Em todo o país, a indústria petroquímica empregava mais de 33 mil trabalhadores e o ramo químico, 800 mil trabalhadores. No estado, o ramo empregava quase 29 mil trabalhadores.
Entendendo o peso e importância estratégica do setor para a economia nacional e regional, o movimento sindical se propõe a colaborar na implementação de políticas públicas de desenvolvimento produtivo, contemplando as diversidades dos territórios para o desenvolvimento local e regional.
[1] MMBTU = milhão de BTU (1 MMBTU = 26, 8 m³)